segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A minha escola

   A minha escola primária, única que tive, era um edifício moderno, numa parte para meninas e noutra parte para meninos. Na parte de trás tinha um grande pátio que abrangia todo o edifício e na frente, dois pátios de entrada. Foi mandado fazer por uma pessoa nobre, nascida na povoação, de seu nome Jacinto Pais, da família do aviador Brito Pais que morreu num acidente de aviação.
   Tenho muito boas recordações da minha professora, era muito boa. Trabalhou muito! O edifício tinha sido concebido para ter os dois sexos mas a maior parte do tempo não havia professor para os rapazes pelo que era a nossa professora que dava aulas a todos, rapazes e raparigas. Deveríamos ser perto de 50 alunos.
   A minha professora chamava-se Eduarda do Carmo Quintinha. Era algarvia, tenho ideia que era de Lagos. Foi para a minha aldeia bastante nova e esteve lá até morrer!
   Tínhamos batas brancas e os rapazes batas azuis com pintinhas brancas. Na sacola levávamos a cartilha maternal se na 1ª classe, a ardósia, a caneta, os lápis e a borracha. Ao passarmos de classe começávamos a ter mais material. Também fazíamos trabalhos manuais com tecidos, linhas, agulhas. Depois, numa certa altura do ano havia uma exposição. Havia meninas que faziam lavores muito bonitos. Era o caso da minha irmã que tinha umas mãozinhas de fada. Também faziamos festas, pequenas peças de teatro que tinham muito sucesso. Tinha uma colega da minha idade que se chamava Maria Adelina que era uma verdadeira artista! Eramos da mesma idade, andavamos sempre juntas, tinhamos os mesmos valores nas passagens de classe. Coitadinha, morreu muito nova!
   Aprendi a ler na Cartilha Maternal de João de Deus. Tínhamos que decorar toda a tabuada e toda a gente a sabia, assim como fazíamos contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir muito mais difíceis do que hoje em dia. Aprendiamos toda a história de Portugal, toda a geografia de Portugal continental bem como dos Açores, Madeira e de todas as Províncias ultramarinas.
   Eu fiz a 4ª classe e parei por ali, com grande pena minha! Nesse tempo era difícil frequentar o liceu porque o que havia era longe de Santa Luzia. Só os filhos de famílias com algumas posses é que continuavam os estudos para lá da 4ª classe.
   Aos 19 anos proporcionou-se voltar a estudar, um curso para Regentes Escolares, curso que frequentei com muito empenho e algum sacrifício. No final fiz um exame final em Beja a fim de poder finalmente ensinar! Dei aulas durante 13 anos até ir para Moçambique. Hoje, com 80 anos, tenho pena de não ter continuado a dar aulas na primária mas a minha vida não permitiu.
    Hoje ao passar a roupa a ferro deixei vaguear o pensamento pelo passado. Recordei as noites de inverno passadas junto à lareira, lareira que se ia extinguindo até ficarem somente as cinzas quentes. Extinguia-se a lareira como se extinguia a vida dos que lá moravam. Uns partiam para não mais voltarem; eu parti para voltar algumas vezes e outros ficaram até a chama que lhes dera luz se extinguir de todo.
Hoje, passados tantos anos recordo com grande saudade as conversas que se passavam entre os membros da família. Contavam-se factos verdadeiros, histórias com pouca realidade e falava-se sobretudo em pessoas: era a minha tia Mariana, tia da mãe, que fazia uns bolos deliciosos cozidos sobre as lajes da lareira; era a tia Maria Inácia duma brandura sem limites, a ponto de quando os filhos não queriam despir uma roupa que lhes agradava, estragavam-na sem nunca chegarem a tirá-la.
   Também se falava muito nos avós. A minha avó materna era pouco preocupada com a casa. Algumas vezes abalou deixando os filhos entregues uns aos outros e ia visitar os irmãos montada na sua mulinha parda. No fim da visita vinha com a mula carregada pois os irmãos viviam com maior abundância. Enquanto ela ia e vinha, os filhos, com pouco que comer e sem nenhum dinheiro, pegavam num enorme cesto de verga e vá de apanhar medronhos (quando na época, claro está) e vender no alambique onde se fabricava a aguardente. Com o produto da venda compravam o café e o açucar com que se alimentavam acompanhado de bom pão. Lá o pão era bom, sempre foi!
Falava-se ao avô paterno que num desastre de carroça partiu uma perna e sem poder andar arrastava-se até ao campo de sementeira e sentado numa cadeira ia ajudando nas sachas.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Manuel

     Era considerada uma rapariga bonita e tive alguns apaixonados. Coitados, morreram todos jovens! Eu não fui namoradeira, só namorei o meu marido e foi um caso muito engraçado. 
   Fiz a prova final da  4ª classe em Ourique no mesmo dia que os alunos de Garvão. Nesse grupo estava o Manuel, o meu futuro marido. Em toda a prova escrita, ele que estava numa carteira ao lado da minha, só me fazia perguntas. Se eu ficava calada, ele dizia-me "Tu não dizes é porque não sabes!" e eu que não queria ficar por não saber ia-lhe dizendo! Já nessa altura era um rapaz que gostava de chamar a atenção! Só voltei a vê-lo num baile pela Páscoa, quando já tinha vinte anos. Vi aquele rapaz loiro e de bonitos olhos azuis e perguntei a uma amiga quem era; ela respondeu-me: Manuel Loução! Naturalmente, ele teve a mesma curiosidade e foi buscar-me para dançar e fez-me a mesma pergunta que tinha feito no exame da 4ª classe: "Você é irmã do António César?". O António era o meu irmão que trabalhava na loja do meu tio César, irmão de meu pai, em Garvão. Eu respondi-lhe afirmativamente pelo que ele declarou "então é minha prima!" Os nossos pais eram primos irmãos mas não me recordo nunca de se visitarem. Viviam em terras distantes, 10 quilómetros era uma grande distância, e nesse tempo as pessoas pobres não tinham tempo de fazerem visitas, grande parte dos seus dias eram passados no campo a trabalhar. 
   O que é certo, é que este meu novo primo, em 3º grau, foi-me buscar em todas as danças com excepção de uma. Nessa, fui dançar com outro rapaz e o Manuel deitou-me uns olhares, furioso que estava! Eu pensei na altura " por dançares comigo umas vezes já pensas que és meu dono?!"
   A partir dessa altura fazia todos os possíveis por passar onde eu estivesse até que se resolveu em pedir-me em namoro! Eu aceitei não sei porquê. Estava com 20 anos e naturalmente achava que já era altura!
   O namoro durou mais de seis anos e só nos víamos quando ele vinha de férias. Ele sempre foi muito janota mas também muito pobre! Para me visitar fazia os 10 quilómetros que separavam Garvão de Santa Luzia em estrada de terra batida mas chegava a minha casa sempre perfeitamente luzidio! Soube, anos mais tarde que quando chegava aos limites da aldeia, dirigia-se para um muro de pedra onde tinha escondido uma escova de sapatos e aí limpava os sapatos de algum vestígio de terra! Chegava até mim sempre composto e bonito!

Bailes e Festas

   Os locais de divertimento eram os bailes de roda no São João e no São Pedro! Lembro-me de uma ou duas vezes aparecerem na minha aldeia, alguns circos. Quando tinha 18 anos abriu a sociedade recreativa onde se faziam bailes, sociedade essa que mais tarde passou a ser a Casa do Povo de Sta Luzia.  Havia também uma banda de música que saia à rua a tocar em dias festivos. 
   Na minha escola faziam-se festas tal como se fazem hoje em dia, nas épocas mais religiosas como o Natal ou a Páscoa; recordo-me de um teatrinho em que eu representava uma estrela e de ter dito

Os homens quase todos indiferentes à luz das estrelas;
só os marinheiros nos olham com mais interesse e admiração.

   Fui, anos mais tarde, casar com um marinheiro!

No dia 15 de Agosto havia normalmente festa na minha aldeia. De manhã havia missa e procissão, de tarde a tourada e à noite a quermesse. Vedavam um largo da povoação, colocavam mesas pequenas e pequenos balcões. Raparigas vestiam fatos próprios. Serviam-se cafés, bebidas e doces, vendiam-se listas para sorteios de alguns tarecos e quinquilharias.
   Também, no dia 13 de Dezembro. dia de Santa Luzia, havia missa e procissão.
   
   Só me lembro de ver um filme e uma peça de teatro quando era menina. Lembro-me também de ver algumas vezes o circo ambulante.A peça de teatro era A Morte de D. Inês de Castro. Havia uma menina, neta do rei, que lhe pediu que não matasse a mamã e se ele queria um beijo. E beijou-o! Nessa altura fiquei cheia de pena. Mostro ser dura mas é um engano. Até quando o meu marido já estava muito mal, quase a morrer me disse: " nunca pensei que fosses assim!" Ao fim de quase cinquenta anos de casados o meu marido não me conhecia. Eu só mostro o que sou quando precisam de mim. Mostro ser dura e devo ser mas nas coisas que eu acho que não estão certas.

domingo, 11 de setembro de 2011

Os brinquedos

  Não havia televisão, não havia rádio, não havia cinema...tudo nos servia de brinquedo! Os meninos ricos deviam ter brinquedos mais elaborados mas, não era o meu caso. A mim e e os meus irmãos tudo nos servia de brinquedos! A minha irmã tinha mais 18 meses do que eu, mas começou a costurar muito pequena, era muito habilidosa de mãos (costurava e bordava muito bem) e então fazia-nos bonecas de trapos. Também tive uma boneca de compra que a minha mãe me deu na Feira de S. Martinho, pequeno povoado que fica a cerca de 8 quilómetros da minha aldeia.
   Nunca tive uma bicicleta nem conhecia tal coisa; Lembro-me de andar de burro! Agora é ao contrário: toda a gente sabe andar de bicicleta e andar de burro deve ser uma excentricidade! 
   Montávamos no burro ou no macho do meu pai quando íamos a Garvão, eu e a Joaquina, visitar uns tios meus que lá viviam! Garvão fica a 7 ou 8 quilómetros de Santa Luzia e por sua vez, Ourique, que é o concelho, fica a 18 quilómetros da minha aldeia! Ourique é a terra onde se deu a batalha em que D. Afonso Henriques derrotou os mouros e a quem, dizem as lendas, apareceu Jesus Cristo a garantir-lhe a vitória! Por esse motivo, a Bandeira Portuguesa tem as Cinco Chagas de Cristo!
   Os jogos a que brincava eram muito parecidos com os jogos de hoje mas as meninas brincavam normalmente afastadas dos rapazes.
   No Natal não havia prendas. Não havia dinheiro para prendas e ninguém ficava triste por isso. Havia, no entanto, doces e refeições melhoradas! 
   A minha mãe aproveitava a época do Natal para nos comprar umas roupinhas mais quentes. Lembro-me de estrear pelo Natal um vestido quente e pelo S.João um vestido fresco. Recordo-me de termos, eu e a minha irmã, uns casaquinhos vermelhos e chapéuzinhos a condizer de lã que a minha madrinha nos tinha feito. A minha madrinha chamava-se Mariana e era irmã do meu pai. Era costureira e também trabalhava em roupa de homem. Não tinha filhos. Trabalhava muito e alimentava-se mal. Morreu nova, tuberculosa! Tive muita pena dela, apesar de ser ainda criança quando ela morreu!
   Não me recordo de ter tido festas de aniversário. Naturalmente, a mãe, se podia, fazia um jantar melhorado. Eu recordo-me de me dar um tostão para comprar rebuçados mas não me lembro que quantidade podia comprar. 
   Naquele tempo havia muitos piolhos e eu recordo-me que a minha mãe gostava muito que nós a catássemos apesar de nunca lhe ter descoberto nenhum! Eu e meus irmãos tínhamos que ser catados todas as semanas! A minha mãe gostava tanto que lhe mexessemos no cabelo que nos dizia "dou-te um tostão ou dois, se o fizeres!" Claro que isso era argumento suficiente e feito o trabalho e recebido o dinheiro, abalava a correr com ele bem fechado na mão; ia comprar uma surpresa que era uma caixinha com qualquer brinquedinho lá dentro, sempre diferente de vez para vez!
   

A minha família II

   Aqui descrevo resumidamente os irmãos que tive:


Primeiro filho - de nome António, morreu com 12 meses;
Segundo filho - António José Dias - nasceu em 1922 e faleceu em 1995 com 73 anos. Tinha a profissão de comerciante. Viveu 28 anos na Beira, Moçambique onde tinha um café. Quando se deu o 25 de Abril regressou a Portugal. Com verdadeira alma empreendedora, do nada ( que foi o que trouxe de África, uma mão cheia de nada!) comprou novo café em Afife, em Viana do Castelo. 
   Foi casado com Ângelina de Barros de quem teve um filho, António José, e uma filha, Maria Teresa. O filho formou-se em engenharia e vive na África do Sul em Joanesburgo e a filha manteve-se junto do pai, gerindo o café;
Terceiro e Quarto filhos - Os gémeos Manuel e Joaquina - nascidos em 1923, ele agricultor, morreu com 70 anos, foi casado com Maria das Dores e tiveram 3 filhos, Joaquina, José Manuel e Ângelina; ela, morreu aos 25 anos, solteira, num trágico acidente. Sobre esta minha irmã tão querida e tão precocemente desaparecida, falarei mais adiante;
Quinto filho -  eu, nascida em 24 de março de 1925;
Sexto filho -José - nasceu em 21 de fevereiro de 1931, de profissão carpinteiro, morreu em 2009 viveu muitos anos na África do Sul. Casou com Gertrudes e não tiveram filhos; 
Sétimo filho - Ilídio - vivo, nasceu em 01 de abril de 1932 casado com Isaltina Costa Guerreiro. Têm duas filhas,  a Nélia e a Filomena.
Oitavo filho -César - agricultor, nasceu em 10 de abril de 1933, morreu em 2008, casou com Noémia que faleceu muito nova. Tiveram dois filhos, José Rui e  Anete;

A minha família

   A minha mãe chamava-se Bárbara Sabino e o meu pai José Prudêncio Dias! Os meus pais tiveram oito filhos. O primogénito morreu quando ainda era pequeno. Recordo-me da minha mãe falar nele com muita pena e de nós ficarmos muito penalizados. Como éramos muitos e havia poucos quartos, nas famílias pobres, tínhamos que dormir dois e três na mesma cama. As pessoas que eu conheci eram todas ou quase todas pobres, mas só me lembro de duas famílias serem miseráveis.Pobres sim mas havia sempre trabalho e as pessoas como não tinham auxílio de ninguém, tinham que trabalhar. No inverno sentia-se mais a pobreza porque havia anos que chovia muito e as pessoas não podiam trabalhar.
   Na guerra de 1914-1918 ainda não era nascida mas sei muitas coisas dessa época porque o meu pai, participou nela. Era militar da cavalaria e foi mobilizado para Angola na luta contra os alemães. Entre as muitas histórias que o meu pai me contou, sobre a época em que viveu em África, uma houve que ficou marcada na minha memória para sempre: certo dia, o meu pai foi dar de beber aos cavalos e encontrou um miúdo negro todo nu. Para implicar com ele e ver o que o miúdo respondia, disse-lhe na língua dele, que lhe batia; o miúdo respondeu-lhe em bom português " porque me bate se eu não estou a fazer mal?". O meu pai, admirado disse-lhe que não lhe queria fazer mal, que estava a brincar e perguntou-lhe se queria ir com ele. O rapazinho tinha contado ao meu pai que lhe tinham morto os pais e este comovido pensou imediatamente em levá-lo para junto da sua companhia. E assim o fez! Levou o pequeno e duma saca de farinha fez-lhe uma roupa improvisada Quando regressou a Portugal deixou-o junto com os outros militares.
   Eu sempre vi que o meu pai tinha muita pena de não ter sabido mais do rapaz!

As Açordas e as Sopas de pão

  


 No alentejo havia sempre bom pão e faziam-se cozidos de feijão, grão e couves. Com o caldo fazia-se sopa de pão. Numa grande tigela colocavam-se finas fatias de pão, por cima colocavam-se folhinhas de hortelã e depois o caldo do cozido. É uma óptima sopa! Ainda hoje, quando a como, acho-a muito boa.Também se fazia muito a açorda que é feita com água a ferver, pão já mais duro, azeite e coêntros e ovos escalfados ou bacalhau cozido.


O nascimento

   Naquela época diziam que os bébés vinham do Algarve. O meu nascimento foi em casa. O parto foi assistido por uma curiosa. As crianças ficavam a tratar essas pessoas por madrinhas. Em muitas famílias acontecia os bebés terem os nomes dos avós. Foi-me dado o nome de Ana devido à minha avó paterna. No dia do meu batismo baptizou-se também um primo meu que lhe deram o nome de Prudêncio. Contava a minha mãe que o meu pai e o meu tio chegaram a casa muito felizes porque havia uma neta Ana e um neto Prudêncio.
   Nessa altura, os bebés mamavam se as mães podiam amamentar ou bebiam leite de vaca taurina e depois começavam a comer sopinhas de pão. Ferviam um pouco de pão com um pouco de açucar e azeite. Mais tarde começavam a comer sopinha do jantar.

Santa Luzia



   A cerca de vinte quilómetros da sede do concelho, a freguesia de Santa Luzia encontra-se a sudoeste da margem esquerda do rio Sado, entre Odemira e Aljustrel. É conhecida também por Santa Luzia de Garvão e a explicação para tal prende-se com o facto de a sua história estar muito ligada à daquela freguesia ouriquense. 
   Administrativamente, pertenceu ao concelho de Garvão até este ter sido extinto, na primeira metade do século XIX (1840). transitou então para Ourique, mas entre 1855 e 1885 esteve no concelho de Odemira.
   Actualmente vivem em Santa Luzia cerca de quinhentas pessoas. As suas actividades principais estão ligadas ao sector primário. Além da agricultura e da pecuária, salienta-se a industria de pré-esforçados, a carpintaria e o pequeno comércio. A sua feira anual é no dia 25 de Agosto e as suas festas e romarias decorrem no primeiro fim de semana de Julho em honra de Santa Luzia. 







Apresento-me...




   Chamo-me Ana Dias Loução, nasci no baixo Alentejo no dia 24 de Março de 1925! A aldeia onde nasci, Sta Luzia fica nos mais escondidos recônditos do Alentejo profundo! Em 1925 ainda não havia chegado a electricidade à minha aldeia, se for a ver bem, ainda não tinha chegado nada à minha aldeia; quando queríamos algo íamos à procura, fora dos seus limites; o automóvel só aparecia de quando em vez e era reservado a alguns lavradores mais  ricos; para nós havia o burro ou o macho e a carroça para viagem muito longas; 
   No dia 24 de Março de 1925, havia um mundo em ebulição do qual pouco sabíamos. Os jornais não chegavam, cinema e rádio não havia.Vivíamos isolados neste nosso pequeno mundo, a aldeia mais próxima, Garvão, ficava a 10  quilómetros de distância. Eram os nossos vizinhos mais chegados, muitas das famílias completas distribuíam-se por estas duas aldeias. Ourique era a vila mais próxima, mas mesmo assim tão longínqua!
   A minha aldeia era muito rústica e incrivelmente pobre, tão pobre que fazia dó mas não me lembro de ninguém passar verdadeira fome. A maior parte das famílias trabalhava no campo.Trabalhava-se muito, mas as pessoas mais novas eram muito alegres. Iam para o trabalho a cantar e regressavam com a mesma alegria. Como já disse, quando nasci não havia luz eléctrica em Sta Luzia e na maior parte das aldeias circundantes. Lembro-me de haver candeias de azeite e depois, mais tarde, de petróleo. Quando nasci já havia candeeiros de petróleo mas na casa dos meus avós paternos ainda usavam as candeias de azeite.