sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

As reuniões da família

   A debulha

Recordo-me como se fosse hoje as reuniões da família para o lanche na altura da debulha. O meu pai, o meu tio e o meu avô juntavam-se na eira que ficava no Monte onde os meus avós viviam. Esse monte chamava-se Alameda e a debulha começava pela manhã ainda fresca. Punham o cereal  na eira e os dois machos começavam a andar em cima até o trigo sair da espiga. Tiravam-lhe a palha, joeiravam-no, mediam-no e punham nos sacos. Depois do trabalho feito ia-se lanchar na frente da casa, debaixo das parreiras cheias de cachos de uvas e ao lado do forno de cozer o pão. A minha avó e a minha tia Ilídia preparavam o lanche. Numa mesa de castanho muito limpa com uma toalha branquinha, comia-se o belo pão com presunto, chouriço, queijo e finalmente a fruta. Também se comiam jaquinzinhos que eram carapaus muito pequenos.

   O Monte da Alameda

   Tenho muitas saudades do tempo em que os meus avós paternos eram vivos. Iamos muitas vezes para o monte onde viviam. Nessa altura só eramos os 4 mais velhos e eu era a mais nova dos quatro. Era muito mimada pelos meus avós e pela minha tia que nessa altura ainda não tinha filhos. 
   Havia duas figueiras e uma grande pereira e muitas oliveiras. A esta pereira era muito difícil apanhar as pêras porque era muito alta mas com o vento da tarde elas caiam e então a minha tia dizia: " Ana, vai ver se há pêras no chão!" e eu abalava a correr, eu fazia tudo a correr. Quanto aos figos trepávamos à figueira para os apanhar. Eu era menina mas trepava tão bem como os meus irmãos.

   Serões de inverno

   Lembro-me muito dos serões de inverno à volta da lareira. Tínhamos quase sempre amigos aos serões, era um hábito. Os meus irmãos iam fazer serão para casa de pessoas amigas e moços amigos vinham fazer serão connosco. Normalmente vinha o Joaquim Carmindo e o Álvaro e outros mais que não me recordo o nome. Eu tinha o hábito de bocejar para fazer bocejar todos os outros, o que dava sempre resultado e era sempre risada certa. Eu e a minha irmã, se não jogavamos às cartas fazíamos renda ou malha. Os meus pais assistiam aos serões que não podiam ser muito prolongados porque tínhamos que levantar cedo. O trabalho começava logo ao nascer do sol ou mesmo antes.


   As refeições


   Eramos pessoas simples mas educadas. Sentavamo-nos sempre à mesa com boas maneiras. O pai na cabeçeira e todos nós em volta da mesa. A mãe fazia os pratos, o dela era sempre o último. O pai tinha sempre uma pequena garrafa de vidro onde servia o vinho, não mais do que meio litro de vinho por refeição, quando eramos já adultos esse meio litro era dividido por todos, o pai fazia a divisão, era uma pessoa extremamente ponderada e de princípios muito firmes.
   A minha mãe era bastante gorda mas comia pouco. O que ela mais apreciava era café, marmelos, amêndoas e papas de farinha de milho. Cozinhava muito bem. Penso que quando era criança havia mais respeito e carinho com os pais e avós e também com os tios e os primos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Doutor Serpa, doenças e mesinhas caseiras

   As doenças mais preocupantes da altura eram as febres intestinais, o garrotilho e o sarampo. Lá em casa sofria-se muito com dores de ouvidos. Recordo-me especialmente de dois médicos, na altura, ambos muitos bons e que viviam em Garvão. Sempre que precisávamos eles consultavam-nos em nossa casa. O primeiro médico que conheci foi o Dr Serpa de quem tenho a maior parte das recordações. O 2º médico foi o Dr Manuel Loução Martins, natural da minha terra e ainda parente do meu marido. 
   O Dr Serpa mostrava ser uma pessoa pouco simpática mas era um grande médico. O meu irmão mais velho esteve às portas da morte com a febre tifoide e o médico já não sabia o que lhe havia de receitar. Uma das vezes que lá foi disse a meus pais que não lhe receitaria mais nenhum medicamento mas propõs que se experimentasse o seguinte procedimento, que os meus pais teriam que cumprir à risca, "claro que sim Sr Dr. ": "pois então, enchem uma banheira de água à temperatura do corpo dele e deitam-no lá dentro: Uma pessoa pega numa vasilha de água fria e vai deitando até que ele estremeça de frio. Tiram-no. Secam-no muito bem e dão-lhe uma massagem com vinagre aromático". 
   Foi um milagre. Ao terceiro banho o meu irmão estava melhor e recuperou depressa e rapidamente ficou com fome. A minha mãe deu-lhe um pouco de um pêro. O Dr Serpa ao saber disso não gostou e disse-lhe que " comesse cascas de piolhos!". Para além disso acusou a minha mãe de lhe dar pêro podre já que a minha mãe lhe mostrou o resto do pêro e estava oxidado, como acontece com a fruta. Não contente ainda acrescentou " se ele morrer foi você que o matou com o pêro!". Coitada da minha mãe, ficou aflita, era muito bruto o Dr Serpa! E graças a Deus ele não morreu, viveu até aos 73 anos.

   Tive as febres intestinais quando tinha quase 7 anos. Recordo-me que estive 20 dias de cama. Não quis médico. Quando me falavam em chamar o médico, eu chorava.Os meus 3 irmãos mais velhos já tinham estado muito doentes e os meus pais não tiveram auxilio nenhum. Estavam sem meios de poder pagar e como eu chorava muitos iam-me fazendo mesinhas. A minha avó sabia muitas rezas e fazia-me chás diversos. Nada resultou até que, em desespero, resolveram matar um pombo, partiram-no ao meio e puseram-no com panos atados, nas solas dos meus pés. Eu melhorei! Foram os pombos ou a vontade de Deus, não sei! Não morri e ainda cá estou, com quase 80 anos mas muito esquecida e a escrever muito mal.

   Ainda a propósito das mesinhas caseiras e das rezas para curar; certa vez, de Beja pediram que pessoas que soubessem de rezas as mandassem porque iam fazer um livro com as orações que os curandeiros faziam. A minha mãe disse-me as que sabia e eu escrevi-as e mandei-as. Nunca cheguei a ver o livro e nem sei se ele chegou a ser feito.

O casamento

   Casei-me com o Manuel em 1952, tínhamos ambos 27 anos, depois de sete anos de namoro. O meu pedido de casamento foi feito pelo pai do meu marido que o acompanhou a casa de meus pais. Eu estava muito nervosa antes de chegarem, mas depois tudo passou porque sucedeu um facto engraçado, pelo menos eu achei! O meu sogro levava uma espingarda e como o caminho de Garvão para Sta Luzia foi feito a pé, passaram por um montado, o Montado do Arzil, tendo o meu sogro caçado uma lebre que nos ofereceu.
   Fiz o meu enxoval como todas as noivas faziam, na altura. Não era muito nem nada de muito luxo mas parte dele ainda o tenho.
   No dia do casamento estava com uma óptima disposição. Uma prima não gostou de me ver com aquela alegra, censurou-me por isso. Eu disse-lhe " esperei estes anos todos, é natural que esteja alegre".
   Casamos na igreja de Santa Luzia, o ramo ofereci a Nossa Senhora de Fátima, imagem que está na igreja. À saída da igreja deitaram-nos flores e arroz e o meu marido imediatamente exclamou: " Julgam que somos pombos?!"
    A ementa do banquete foi: galinhas e borrego, bolos caseiros e da pastelaria de Luís da Rocha em Beja, que eram óptimos. Bebeu-se vinho tinto e vinho branco mas não houve champanhe.