sábado, 5 de janeiro de 2013

Passeio a Sines

   Em criança, tinha 7 anos, fui a Sines.A minha mãe tinha muitas dores e um ano foi para Sines para ter banhos quentes. Foi com a minha irmã que tinha 8 anos e com o meu irmão José que deveria ter uns 6 meses. O meu pai foi na carroça levá-las e quando foi buscá-las, eu fui com ele. Gostei muito de ver o mar e apanhar conchas na praia. Não tinha ainda visto o mar. A minha mãe tinha família espalhada por todo o Baixo Alentejo e às vezes iamos visitá-los. A família da minha mãe tem o apelido de Sabino. Eu não tenho o apelido no meu nome porque o empregado do registo pôs-me só o sobrenome do meu pai e este não deu por isso. Tive muita pena de não ter conhecido o avô materno da minha mãe que se chamava João Sabino e que deve ter sido a pessoa mais importante na família porque era a pessoa de quem a minha mãe mais falava.
   Amigos desse tempo já restam muito poucos, morreram quase todos e os poucos que ainda são vivos vejo-os poucas vezes. Há anos que abalei da minha terra e vou lá poucas vezes. Nunca tive aulas de musica nem pratiquei desporto. O meu desporto foi trabalhar. Quando era rapariguinha não andava, porque era sempre a correr. Se tivesse vivido nesta época naturalmente seria atleta, mas tenho uma filha professora de educação física e o meu neto mais velho é amigo do desporto como a mãe. O Nosso Senhor vai ajudá-lo a ser um tenista de nomeada pois é isso que ele mais gosta. Tenho pena de já não o ver campeão.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

As reuniões da família

   A debulha

Recordo-me como se fosse hoje as reuniões da família para o lanche na altura da debulha. O meu pai, o meu tio e o meu avô juntavam-se na eira que ficava no Monte onde os meus avós viviam. Esse monte chamava-se Alameda e a debulha começava pela manhã ainda fresca. Punham o cereal  na eira e os dois machos começavam a andar em cima até o trigo sair da espiga. Tiravam-lhe a palha, joeiravam-no, mediam-no e punham nos sacos. Depois do trabalho feito ia-se lanchar na frente da casa, debaixo das parreiras cheias de cachos de uvas e ao lado do forno de cozer o pão. A minha avó e a minha tia Ilídia preparavam o lanche. Numa mesa de castanho muito limpa com uma toalha branquinha, comia-se o belo pão com presunto, chouriço, queijo e finalmente a fruta. Também se comiam jaquinzinhos que eram carapaus muito pequenos.

   O Monte da Alameda

   Tenho muitas saudades do tempo em que os meus avós paternos eram vivos. Iamos muitas vezes para o monte onde viviam. Nessa altura só eramos os 4 mais velhos e eu era a mais nova dos quatro. Era muito mimada pelos meus avós e pela minha tia que nessa altura ainda não tinha filhos. 
   Havia duas figueiras e uma grande pereira e muitas oliveiras. A esta pereira era muito difícil apanhar as pêras porque era muito alta mas com o vento da tarde elas caiam e então a minha tia dizia: " Ana, vai ver se há pêras no chão!" e eu abalava a correr, eu fazia tudo a correr. Quanto aos figos trepávamos à figueira para os apanhar. Eu era menina mas trepava tão bem como os meus irmãos.

   Serões de inverno

   Lembro-me muito dos serões de inverno à volta da lareira. Tínhamos quase sempre amigos aos serões, era um hábito. Os meus irmãos iam fazer serão para casa de pessoas amigas e moços amigos vinham fazer serão connosco. Normalmente vinha o Joaquim Carmindo e o Álvaro e outros mais que não me recordo o nome. Eu tinha o hábito de bocejar para fazer bocejar todos os outros, o que dava sempre resultado e era sempre risada certa. Eu e a minha irmã, se não jogavamos às cartas fazíamos renda ou malha. Os meus pais assistiam aos serões que não podiam ser muito prolongados porque tínhamos que levantar cedo. O trabalho começava logo ao nascer do sol ou mesmo antes.


   As refeições


   Eramos pessoas simples mas educadas. Sentavamo-nos sempre à mesa com boas maneiras. O pai na cabeçeira e todos nós em volta da mesa. A mãe fazia os pratos, o dela era sempre o último. O pai tinha sempre uma pequena garrafa de vidro onde servia o vinho, não mais do que meio litro de vinho por refeição, quando eramos já adultos esse meio litro era dividido por todos, o pai fazia a divisão, era uma pessoa extremamente ponderada e de princípios muito firmes.
   A minha mãe era bastante gorda mas comia pouco. O que ela mais apreciava era café, marmelos, amêndoas e papas de farinha de milho. Cozinhava muito bem. Penso que quando era criança havia mais respeito e carinho com os pais e avós e também com os tios e os primos.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Doutor Serpa, doenças e mesinhas caseiras

   As doenças mais preocupantes da altura eram as febres intestinais, o garrotilho e o sarampo. Lá em casa sofria-se muito com dores de ouvidos. Recordo-me especialmente de dois médicos, na altura, ambos muitos bons e que viviam em Garvão. Sempre que precisávamos eles consultavam-nos em nossa casa. O primeiro médico que conheci foi o Dr Serpa de quem tenho a maior parte das recordações. O 2º médico foi o Dr Manuel Loução Martins, natural da minha terra e ainda parente do meu marido. 
   O Dr Serpa mostrava ser uma pessoa pouco simpática mas era um grande médico. O meu irmão mais velho esteve às portas da morte com a febre tifoide e o médico já não sabia o que lhe havia de receitar. Uma das vezes que lá foi disse a meus pais que não lhe receitaria mais nenhum medicamento mas propõs que se experimentasse o seguinte procedimento, que os meus pais teriam que cumprir à risca, "claro que sim Sr Dr. ": "pois então, enchem uma banheira de água à temperatura do corpo dele e deitam-no lá dentro: Uma pessoa pega numa vasilha de água fria e vai deitando até que ele estremeça de frio. Tiram-no. Secam-no muito bem e dão-lhe uma massagem com vinagre aromático". 
   Foi um milagre. Ao terceiro banho o meu irmão estava melhor e recuperou depressa e rapidamente ficou com fome. A minha mãe deu-lhe um pouco de um pêro. O Dr Serpa ao saber disso não gostou e disse-lhe que " comesse cascas de piolhos!". Para além disso acusou a minha mãe de lhe dar pêro podre já que a minha mãe lhe mostrou o resto do pêro e estava oxidado, como acontece com a fruta. Não contente ainda acrescentou " se ele morrer foi você que o matou com o pêro!". Coitada da minha mãe, ficou aflita, era muito bruto o Dr Serpa! E graças a Deus ele não morreu, viveu até aos 73 anos.

   Tive as febres intestinais quando tinha quase 7 anos. Recordo-me que estive 20 dias de cama. Não quis médico. Quando me falavam em chamar o médico, eu chorava.Os meus 3 irmãos mais velhos já tinham estado muito doentes e os meus pais não tiveram auxilio nenhum. Estavam sem meios de poder pagar e como eu chorava muitos iam-me fazendo mesinhas. A minha avó sabia muitas rezas e fazia-me chás diversos. Nada resultou até que, em desespero, resolveram matar um pombo, partiram-no ao meio e puseram-no com panos atados, nas solas dos meus pés. Eu melhorei! Foram os pombos ou a vontade de Deus, não sei! Não morri e ainda cá estou, com quase 80 anos mas muito esquecida e a escrever muito mal.

   Ainda a propósito das mesinhas caseiras e das rezas para curar; certa vez, de Beja pediram que pessoas que soubessem de rezas as mandassem porque iam fazer um livro com as orações que os curandeiros faziam. A minha mãe disse-me as que sabia e eu escrevi-as e mandei-as. Nunca cheguei a ver o livro e nem sei se ele chegou a ser feito.

O casamento

   Casei-me com o Manuel em 1952, tínhamos ambos 27 anos, depois de sete anos de namoro. O meu pedido de casamento foi feito pelo pai do meu marido que o acompanhou a casa de meus pais. Eu estava muito nervosa antes de chegarem, mas depois tudo passou porque sucedeu um facto engraçado, pelo menos eu achei! O meu sogro levava uma espingarda e como o caminho de Garvão para Sta Luzia foi feito a pé, passaram por um montado, o Montado do Arzil, tendo o meu sogro caçado uma lebre que nos ofereceu.
   Fiz o meu enxoval como todas as noivas faziam, na altura. Não era muito nem nada de muito luxo mas parte dele ainda o tenho.
   No dia do casamento estava com uma óptima disposição. Uma prima não gostou de me ver com aquela alegra, censurou-me por isso. Eu disse-lhe " esperei estes anos todos, é natural que esteja alegre".
   Casamos na igreja de Santa Luzia, o ramo ofereci a Nossa Senhora de Fátima, imagem que está na igreja. À saída da igreja deitaram-nos flores e arroz e o meu marido imediatamente exclamou: " Julgam que somos pombos?!"
    A ementa do banquete foi: galinhas e borrego, bolos caseiros e da pastelaria de Luís da Rocha em Beja, que eram óptimos. Bebeu-se vinho tinto e vinho branco mas não houve champanhe.

   

sábado, 1 de outubro de 2011

Memórias enquanto professora

   Lembro-me que havia dois anos que dava aulas e fui colocada nesse ano na Mina de S. Domingos. Tinha 62 alunos da 3ª classe. Recordo-me  de ter levado, no final do ano lectivo,  35 alunos a exame e ficarem todos aprovados e dispensados da prova oral, de aritmética. Foi uma grande alegria! Todos os pais me agradeceram e houve um grupo de vinte alunos que me entregou uma folha com os seus nomes e um presente: um serviço de café! Nunca tive aborrecimentos nos 13 anos que dei aulas. Deixei o ensino porque o meu marido foi colocado no navio Almirante Lacerda, navio que fazia cartas de navegação e foi para Moçambique e eu fui ter com ele ao fim de 6 meses*. 

* nessa altura, o delegado escolar enviou uma carta à minha mãe a avisar que ela tinha ficado colocada, aviso que ela não recebeu. Disse-me ela, mais tarde, que se tivesse recebido esse aviso provavelmente não teria ido para África, não teria interrompido a sua profissão e a sua vida poderia ter seguido um outro rumo, nomeadamente, no que relacionava com o seu primeiro filho, o meu irmão mais velho que veio a morrer em Moçambique. Mas... são conjecturas...

Canseiras!

   Comecei a trabalhar muito cedo: primeiro para cuidar dos meus irmãos e assim ajudar a minha mãe e depois ajudando nos trabalhos domésticos e do campo. O meu pai vivia da agricultura e por isso todos tínhamos que trabalhar logo de pequenos. Cheguei a trabalhar junto com a minha irmã, numa manhã de um dia 1º de Janeiro, na apanha da azeitona, de que ano não me lembro e ganhar, ou darem-nos que é melhor dizer, sete e meio que era um tostão e mais meio tostão. Quando trabalhava no campo ia a pé, se o trabalho era perto, se era longe, ia na carroça que o meu pai tinha. Uma vezes levava almoço, outras vezes os meus irmãos mais novos iam levá-lo ao meio-dia.
   Quando comecei a dar aulas, num posto escolar em Garvão, ganhava 250 escudos por mês. Vivia em casa dos meus tios. O meu tio tinha uma loja de tecidos e mercearia mas tinha havido a guerra. As pessoas estavam muito pobres, pouco compravam e o que compravam, mais das vezes, era sem dinheiro, fiado. O meu tio disse-me, um pouco envergonhado: "aceito o que me quiseres dar porque a vida está muito mal." Eu dava-lhe 100 escudos e ficava com 150 escudos. No 1º mês comprei tecido na loja do meu tio e fiz um casaco para oferecer à minha mãe. Com o pouco que ganhava sempre ajudei os meus pais. Foi por essa altura que encontrei o meu primo Manuel que veio a ser o meu marido.
   Não me lembro de alguém na minha terra fazer greve ou falar de sindicatos ou nos direitos dos trabalhadores. Sei que nalgumas terras havia alguns movimentos, um pouco escondidos, que diziam ser dos comunistas. Havia muito trabalho sempre mas as pessoas tinham poucos bens, recebiam muito pouco dinheiro pelo seu trabalho e viviam resignadas. A rapaziada, então, não se lembrava das agruras: de noite andavam pelas ruas em grupo e a cantar alentejano. Alguns tinham uma óptima voz!  Lembro-me de estar a dormir e a minha irmã me acordar para eu ouvir, escondidas atrás das cortinas, os rapazes que vinham cantar por debaixo da nossa janela! A minha irmã adorava a vida! Ela alegre, bem humorada, morreu aos vinte e cinco anos, de uma queda no poço da nossa cerca!