sábado, 1 de outubro de 2011

Memórias enquanto professora

   Lembro-me que havia dois anos que dava aulas e fui colocada nesse ano na Mina de S. Domingos. Tinha 62 alunos da 3ª classe. Recordo-me  de ter levado, no final do ano lectivo,  35 alunos a exame e ficarem todos aprovados e dispensados da prova oral, de aritmética. Foi uma grande alegria! Todos os pais me agradeceram e houve um grupo de vinte alunos que me entregou uma folha com os seus nomes e um presente: um serviço de café! Nunca tive aborrecimentos nos 13 anos que dei aulas. Deixei o ensino porque o meu marido foi colocado no navio Almirante Lacerda, navio que fazia cartas de navegação e foi para Moçambique e eu fui ter com ele ao fim de 6 meses*. 

* nessa altura, o delegado escolar enviou uma carta à minha mãe a avisar que ela tinha ficado colocada, aviso que ela não recebeu. Disse-me ela, mais tarde, que se tivesse recebido esse aviso provavelmente não teria ido para África, não teria interrompido a sua profissão e a sua vida poderia ter seguido um outro rumo, nomeadamente, no que relacionava com o seu primeiro filho, o meu irmão mais velho que veio a morrer em Moçambique. Mas... são conjecturas...

Canseiras!

   Comecei a trabalhar muito cedo: primeiro para cuidar dos meus irmãos e assim ajudar a minha mãe e depois ajudando nos trabalhos domésticos e do campo. O meu pai vivia da agricultura e por isso todos tínhamos que trabalhar logo de pequenos. Cheguei a trabalhar junto com a minha irmã, numa manhã de um dia 1º de Janeiro, na apanha da azeitona, de que ano não me lembro e ganhar, ou darem-nos que é melhor dizer, sete e meio que era um tostão e mais meio tostão. Quando trabalhava no campo ia a pé, se o trabalho era perto, se era longe, ia na carroça que o meu pai tinha. Uma vezes levava almoço, outras vezes os meus irmãos mais novos iam levá-lo ao meio-dia.
   Quando comecei a dar aulas, num posto escolar em Garvão, ganhava 250 escudos por mês. Vivia em casa dos meus tios. O meu tio tinha uma loja de tecidos e mercearia mas tinha havido a guerra. As pessoas estavam muito pobres, pouco compravam e o que compravam, mais das vezes, era sem dinheiro, fiado. O meu tio disse-me, um pouco envergonhado: "aceito o que me quiseres dar porque a vida está muito mal." Eu dava-lhe 100 escudos e ficava com 150 escudos. No 1º mês comprei tecido na loja do meu tio e fiz um casaco para oferecer à minha mãe. Com o pouco que ganhava sempre ajudei os meus pais. Foi por essa altura que encontrei o meu primo Manuel que veio a ser o meu marido.
   Não me lembro de alguém na minha terra fazer greve ou falar de sindicatos ou nos direitos dos trabalhadores. Sei que nalgumas terras havia alguns movimentos, um pouco escondidos, que diziam ser dos comunistas. Havia muito trabalho sempre mas as pessoas tinham poucos bens, recebiam muito pouco dinheiro pelo seu trabalho e viviam resignadas. A rapaziada, então, não se lembrava das agruras: de noite andavam pelas ruas em grupo e a cantar alentejano. Alguns tinham uma óptima voz!  Lembro-me de estar a dormir e a minha irmã me acordar para eu ouvir, escondidas atrás das cortinas, os rapazes que vinham cantar por debaixo da nossa janela! A minha irmã adorava a vida! Ela alegre, bem humorada, morreu aos vinte e cinco anos, de uma queda no poço da nossa cerca!